Cointeligência
Perspectivas positivas sobre o futuro.
Sempre que o assunto ‘inteligência artificial’ vem à tona, os olhares se dividem: de um lado, aparecem os “boomers”, que abraçam o hype das novidades e acreditam piamente na usabilidade positiva de qualquer nova ferramenta; do outro, existem os “doomers”, que se mostram céticos e pessimistas com os caminhos que a humanidade tem trilhado por causa destas tecnologias.
Eu tenho me esforçado para navegar acima destes extremos, buscando, ao mesmo tempo, avaliar os benefícios das novidades e manter uma certa dose de ceticismo sobre todas elas. Ultimamente, porém, confesso que tenho ficado mais ao lado dos “doomers” nas discussões — por observar, com bastante preocupação, o silencioso colapso do modelo atual de internet e por temer verdadeiramente pelo lugar do Brasil em toda essa várzea.
Contudo, nem só de notícias ruins vive a bolha das IAs.
Recentemente, foi traduzido um livrinho bem interessante, chamado “Cointeligência”, escrito por Ethan Mollick, professor associado de gestão da Wharton School, da Universidade da Pensilvânia, que busca olhar para as IAs de uma forma bem mais otimista.
O argumento de Mollick é simples: as IAs devem ser encaradas como nossas colegas de trabalho, não como ameaças.
O livro se organiza em torno de quatro princípios básicos: sempre ‘convidar a IA para a mesa’; sempre se manter como a parte humana da relação com elas; delimitar bem qual será a função da IA no trabalho; e assumir que a versão vigente de uma IA sempre será a pior versão daquela tecnologia.
Estes princípios buscam estabelecer uma relação saudável com as inteligências artificiais, uma vez que, segundo Mollick, elas são ‘tecnologias de propósitos gerais’ — ou seja, tecnologias com potenciais para transformar profundamente a sociedade — e que, mesmo que suas atualizações parassem hoje, os impactos gerados por estes recursos na humanidade seriam irreversíveis.
Por isso, o livro nos incentiva a experimentar as IAs em tudo o que for legal e ético, até mesmo para entender onde ela ajuda e onde ela ameaça de fato o nosso trabalho.
Em um dos capítulos do livro, Mollick entrega uma metáfora interessante para ilustrar sua visão de cointeligência: a diferença entre centauros e ciborgues no trabalho com as inteligências artificiais.
No modo centauro, o trabalho é parcialmente dividido: a tecnologia executa o que ela — até o momento — faz de melhor, como sumarizar, revisar e estruturar, deixando para a parte humana a criação, interpretação e o julgamento crítico sobre as decisões.
Já no modo ciborgue, a integração entre homem e máquina é completa: o humano e a IA concebem, escrevem e analisam juntos, com ciclos curtos, direcionados e pontuais de edição.
A grande habilidade, na visão do autor, está em saber escolher quando utilizar o modo centauro e quando utilizar o modo ciborgue.
Outra boa ideia que o livro apresenta está no âmbito da criatividade, na utilização das IAs para os estágios iniciais de projetos que demandem novas ideias.
Em seu argumento, Mollick parte da premissa que, para encontrar boas ideias, precisamos passar por um ‘vale de ideias ruins’. Para isso, ele defende que as inteligências artificiais podem ajudar bastante neste estágio, gerando inúmeras possibilidades de ideias a baixíssimo custo — numa espécie de brainstorm entre homens e máquinas.
O livro traz um olhar otimista, que encara as IAs como ferramentas, não como adversárias. Para quem está apreensivo com os próximos passos da humanidade neste assunto, principalmente agora, onde as coisas se mostram um pouco mais confusas, “Cointeligência” é uma leitura que tende a recalibrar algumas visões mais negativas sobre a relação do homem com as inteligências artificiais.
Porém, nem tudo são flores.
Mollick peca ao atenuar os efeitos negativos das relações entre homens e inteligências artificiais, sempre oferecendo possibilidades de resoluções otimistas demais — muitas vezes ingênuas — frente aos recorrentes problemas oriundos do uso indiscriminado das IAs.
Para ele, por exemplo, se funcionários estão se valendo das IAs para automatizar secretamente algumas tarefas, basta incentivá-los, através de bônus financeiros, a criarem melhorias públicas através dessas tecnologias. Ou então, na educação, se existem plágios, basta que se criem ‘metodologias orientadas para a criação de prompts’, ou até mesmo competições de criação de prompts entre estudantes — na mesma linha dos clássicos campeonatos interclasses de futebol de salão.
O autor ignora o potencial humano de causar o mal e acredita que, se hoje as IAs são mal utilizadas, é mais uma questão de falta de entendimento do que de falta de moralidade.
Enfim...
Existe todo um debate ético sobre este assunto, que ainda precisa ser realizado no ambiente das relações interpessoais, para que possamos falar verdadeiramente em uma possibilidade saudável de cointeligência — visto que o deslumbramento gerado pelas inteligências artificiais, principalmente pelos modelos LLMs, ainda precisa ser devidamente equalizado.
Em outras palavras, a molecada ainda precisa entender que as IAs não servem apenas para você fazer aquele trabalho escolar genérico em cinco minutos — e ‘salvar um tempo’ para fazer de tudo, menos pensar; os profissionais ainda precisam abandonar a ilusão de que as IAs não irão afetar seus trabalhos — pois os chefes, na verdade, estão pouco se fodendo se serão os humanos ou as máquinas que lhes entregarão as planilhas nos prazos estabelecidos; e os artistas ainda precisam entender que, na época do conteúdo infinito, existe uma possibilidade real dos consumidores buscarem mais quantidade do que qualidade — e que isso pode acabar, no longo prazo, com a utilidade da arte.
Fora que ainda existem questões morais que precisam ser discutidas de uma forma mais abrangente e honesta, sem pensar tanto em regulações ou polarizações (pelo menos num primeiro momento).
Afinal, ainda precisamos entender algumas coisas: um conteúdo novo, gerado por uma LLM, por melhor que seja, é um conteúdo original ou um ‘plágio invisível’, impossível de determinar? Um texto sintético, gerado por um modelo preditivo, a partir da criação de uma ‘persona’, é uma cópia, um original ou apenas um remix? Copiar um estilo artístico para gerar algo novo é um plágio, um crime ou é apenas um processo costumeiro dentro das convenções do fazer criativo — visto que, antes das IAs, inúmeros artistas também se inspiravam e se copiavam para criar suas próprias artes?
Essas e outras questões ainda precisarão ser discutidas com seriedade, e muita água ainda irá rolar sobre este assunto, principalmente no que tange ao potencial destrutivo que as inteligências artificiais têm de implodir sistemas complexos e burocráticos — como o sistema educacional, por exemplo —, além das inevitáveis regulamentações que futuramente serão criadas.
A despeito de tudo isso, é interessante que existam mentes otimistas pensando, neste exato momento, sobre as melhores formas de integração entre os humanos e as máquinas — visto que é impossível parar o trem da história.
A primeira versão deste texto foi revisada pelo GPT-5, a fim de buscar maior fluidez para a apresentação das ideias contidas nele. Já a segunda versão também foi submetida à tecnologia, porém com o intuito meramente técnico de buscar falhas de coesão e coerência textual, bem como problemas de gramática, ortografia e concordância. A versão final não foi submetida, portanto, eventuais erros e problemas encontrados neste texto foram gerados por falha humana, não por uma máquina.
